Uma das menores vias públicas do 3° Conjunto da Cohab – Anil é a Rua 9. Sua extensão chega a pouco mais de cem metros adicionados a uma área verde denominada como Praça 9. Aliás, é bom que se diga que, na época da entrega das mais de 2 mil casas do referido núcleo habitacional, já se pensava em espaços urbanos destinados para a prática de esporte, lazer e entretenimento. Projeto bem diferente dos dias atuais.
Rua 9 vista de cima (Foto: Reprodução)
Mas vamos aos fatos!
O então presidente da República, Emílio Garrastazu Médice, através de um audacioso programa, entendeu que a construção de casas populares era fator de integração social, geração de empregos e expansão urbana Brasil afora. A Companhia de Habitação Popular (Cohab) atrelada ao extinto Banco Nacional de Habitação (BNH), digamos assim, foi uma espécie de “avós” do atual e famigerado programa Minha Casa, Minha Vida.
Em São Luís não foi diferente. Surgiu no final da decada de 1960 e início dos anos 70 as chamadas Casas Populares. Deve-se dizer que, na esteira dessa expansão urbana, foram erguidos mercados, centros comerciais, escolas, postos de saúde (Caudec), além de espaços destinados para instalação de equipamentos públicos como praças, delegacias e igrejas. Não por acaso, a Cohab foi, o que pode-se dizer assim, o primeiro “bairro independente” de São Luís, mesmo distante da região central da cidade.
Tão grande e longínquo, em dezembro de 1970 foi entregue o 3° Conjunto, visto que já era realidade os 1° e 2° Conjuntos da Cohab. Com ele, a Empresa São Luís, que logo tratou de implantar as linhas de ônibus com os sugestivos nomes de Casa Popular Anil, Aurora e Ipase, cada qual por uma rota com destino ao Centro de São Luís. Com suas cercas de ripas embadeiradas que separavam os quintais, como cantou o poeta, dava pra ver a partida do ônibus saindo da Avenida 14, mesmo o usuário estando na Avenida 10. Tudo era muito simples…
Rua 9 e suas 9dades
Primeiramente é preciso dizer que as 19 casas da Rua 9 somadas aos cinco lares da praça de mesmo número, no início, também não tinham muros e muito menos grades. Talvez por isso, a vizinhança toda virou uma família só, independente de quem era mais ou menos detentor de poder aquisitivo. Prevaleceu, literalmente, a política da boa vizinhança.
Naquele tempo, na extremidade com a Rua 8, estava sempre a postos para atender vizinhos na área da saúde, Dona Francisquinha com seu estojo farmacêutico aplicando injeções na meninada e prescrevendo remédios de efeito infalível. Na Praça 9, de igual modo, estava disponível Dona Edna, sempre solícita, com sua contagiante simpatia. Na área da educação, Dona Inah ditava as regras, desde como pegar no lápis até saber a Tabuada de cor e salteado. Maria Bonita, um instrumento forte e fabuloso, feito de madeira maciça em formato “circu-retangular” era um incentivo à parte para o aprendizado da turma.
Comércio pulsante
Em termos comerciais, melhor limitar o assunto à Casa Jota Pinto, Mercearia Ramos e Bar do Chacrinha. Abre-se exceção para a venda de dindim sob a produção de Dona Júlia (casa 17) e Dona Regina (casa 13), em saudosa memória. Mostrando talento mercantil desde cedo, o hoje bem-sucedido empresário Marcelo Carneiro Silva, à época, também investiu no segmento de suquinhos.
“Ostentação em duas rodas”
Dos mais antigos da 9, também em saudosa memória, Araújo (Cabeça) possuía uma bicicleta Monarck, de quadro e na cor laranja. No mesmo endereço, uma caminhonete Rural, servia para passeios no Itapiracó, com direito a banhos no rio de mesmo nome, além de aventuras pela comunidades Maioba e Maiobinha, com mergulhos em seus respectivos cursos d’água. No mais, quem quisesse na época “aprender andar” de bicicleta, teria que recorrer ao serviço de aluguel de “Seu”Joel, instalado na vizinha Rua 11. Abre-se parêntese para dizer que a casa 19 da rua e casa 1 da praça, do mesmo numeral, foram as pioneiras na aquisição de bicicletas, rompendo assim a barreira do “aluguel de Monaretas“.
Esporte na 9
De uma coisa, antigos, ex e atuais moradores da Rua 9 devem ter motivos de sobra pra se orgulhar. Essa tão falada via pública do 3° Conjunto da Cohab foi endereço de pelo menos quatro clubes de futebol de campo (amador). Isso sem contar com os torneios de “peladas” improvisados pelo morador Arnaldo Natálio Falcão, tendo como campo a Praça 8.
Convém enfatizar que Arnaldo, baluarte da 9 e desbrador da integração das pessoas através do esporte, nesse meio termo, desenvolveu a prática do jogo de botão, que aliás, gerou “estádios de mesa” ao estilo Araujão, Marinhão, Mourão, Bezerrão, Ribeirão entre outros “ãos” atrelados ao futebol de mesa da 9.
Por ordem cronológica, destinado ao futebol de várzea, logo no início da década de 1970, nasceu o Vasquinho, capitaneado pelo morador Antônio Talmaturgo (Bitonio), que tinha no elenco Pedoca, Fernando, João Oliveira, Pinhor, Washington, Dilson e um goleiro “mão de alface” cujo nome fugiu da memória. Não contrataram esse editor do Blog Hora Extra, e talvez por esse lapso, a equipe tenha sucumbido de forma tão precoce.
De imediato e com maior estrutura e abrangência, “Cabeça” fundou o imbatível Tiradentes. Talvez só o ponta esquerda Gentil, primo do “dono” do time deva lembrar. A equipagem na cor verde foi à base de tintol, fervido em tachos no quintal da casa 5.
Com a evolução, o Tiradentes trocou o uniforme por uma “equipagem” alvinegra padrão Vasco da Gama. Nesse bojo, conforme depoimentos, o time da 9 não quis saber de valorizar a chamada “prata da casa”. Preferiu buscar como reforços no bairro da Liberdade, o golerio Mário e os atacantes Biato, Raimundinho & Cia. O resultado foi a conquista do título de campeão do Torneio Olímpio Guimarães, na Cohab, em 1975.
Sendas e Atlântico
Em 1977, um investimento voltado para integrar a rapaziada trouxe o futebol de campo de volta ao cenário da Rua 9. Surgiu o Sendas Esporte Clube, nas cores branca e laranja, cuja madrinha Terezinha Marinho ainda guarda em álbum, fotos com “atletas” do clube. Quanto à escalação do time, melhor não mencionar nomes para não se cometer injustiça.
Do mesmo modo, foi fundado em 1980, nas cores amarelo e preto, a Associação Atlética Atlântico (AAA), que por pouco, não teve mais uma letra ‘A’ adicionada a seu escudo, tal grande era a empolgação etílica da turma.
Turma da 9dade
Para não dizer que somente o esporte foi o único fator predominante, a Rua 9 também enveredou pela cultura. Em 1983 e 1984, a cultura popular e o folclore maranhense foram injetados na artéria, sem conceitos ou preconceitos. Eram só personagens bons, cujo cachê chegava no máximo a um litro de conhaque de alcatrão de São João da Barra.
O evento foi marcante, inclusive quebrando barreiras da religião e do enquadramento social.
A propósito, misturar nome com números, somente para os engenhos e engenharias da vida. Foram muitos os cálculos matemáticos e renais. Mesmo assim, a Turma da 9dade conseguiu fazer essa façanha. Com apoio sonoplástico e cultural do saudoso Léo, entrou em cena em 1983 a manifestação cultural junina, Arraial e Quadrilha Pé na Cova, que no ano seguinte, em função do movimento ‘Diretas Já’ Brasil afora, a brincadeira acabou tendo o seu nome trocado, sugestivamente, para Arraial das Diretas 84. Essa atividade cultural da 9 provocou paixões, desavenças, amores não correspondidos e enlaces.
O movimento das Diretas Já estava à porta, e com ele, manifestações ecoaram por todo o País. Mas aqui não se vai falar de política. No máximo, lembrar da fundação do Jornal A 9DADE. Messias, Edgard e esse jornalista Walkir Marinho acertaram na veia em julho de 1986. Mas esse assunto vai ficar pra outra conversa aqui no Blog Hora Extra.