O primeiro sinal do petróleo derramado foi registrado em três praias do litoral paraibano, no dia 30 de agosto. Nos 40 dias seguintes, o vazamento se espalhou por 63 cidades nos 9 Estados do Nordeste. Doze tartarugas marinhas morreram e mais de 130 toneladas do óleo cru foram recolhidas das praias no episódio que já é considerado o maior desastre ambiental do país em extensão territorial.
Mas como uma quantidade tão grande de petróleo caiu no mar sem deixar vestígios? Quem está no radar da Marinha e Polícia Federal?
A investigação da origem do óleo está sendo conduzida pela Marinha, e a investigação criminal é alvo da Polícia Federal. Tudo feito com apoio da Petrobras. Uma série de hipóteses foi levantada por autoridades, especialistas e ativistas, sendo as principais delas: limpeza ilegal de navio, naufrágio, vazamento acidental e ação criminosa.
Participam da operação para identificar a origem do vazamento de óleo cru 1.500 militares, cinco navios, uma aeronave e diversas embarcações e viaturas de delegacias e capitanias dos portos. A reportagem da BBC News Brasil procurou os órgãos que participam da investigação, mas nenhum deles se manifestou oficialmente ou revelou detalhes sobre as linhas de investigação.
“Aproximadamente 140 navios fizeram trajeto por aquela região. Pode ser algo criminoso, pode ser um vazamento acidental. Pode ser um navio que naufragou também. Agora, é complexo. Temos no radar um país que pode ser o da origem do petróleo e continuamos trabalhando da melhor maneira possível”, disse o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro.
Os professores de engenharia de petróleo da Universidade de São Paulo (USP) Ricardo Cabral de Azevedo e Patricia Matai disseram que é necessário fazer o monitoramento por satélite para identificar a pluma de contaminação.
“Com base nisso, é possível identificar a origem e a trajetória da pluma”, disseram por meio de email.
Para a dupla, porém, é difícil saber com base apenas nesta informação qual a embarcação seria responsável pelo despejo de óleo devido à quantidade de navios que passaram pela região no mesmo período.
Onde foi produzido o petróleo derramado?
Segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, com a tecnologia disponível hoje, a investigação completa poderia ser relativamente simples, mas deve depender também de colaboração de outros países e empresas estrangeiras.
Primeiro, é preciso definir a composição do material encontrado. Um dos indicadores é o chamado grau API, escala criada pelo Instituto Americano de Petróleo para medir a densidade relativa de líquidos derivados do petróleo em relação à água. Quanto menor o nível, mais denso e menos valioso ele é.
Abaixo de 10, a exemplo do betume, afundaria no mar. Acima de 30 são os considerados leves, como o pré-sal da Bacia de Santos (31), que correspondem a quase um terço da produção brasileira.
Além disso, à medida que o óleo passa tempo no mar, sua densidade vai aumentando.
Em resposta à BBC News Brasil, a Petrobras disse que “a análise realizada em amostras de petróleo cru encontrado em praias do Nordeste atestou, por meio da observação de moléculas específicas, que a família de compostos orgânicos do material encontrado não é compatível com a dos óleos produzidos e comercializados pela companhia”.
Ainda em nota, a empresa disse que os testes foram realizados nos laboratórios do Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes), no Rio de Janeiro.
Nesta quarta-feira (9), autoridades brasileiras afirmaram à imprensa que as análises dos perfis químicos das amostras coletadas são compatíveis com características do petróleo produzido na Venezuela, um tipo mais pesado.
A investigação sobre a bandeira da embarcação (em que país está registrada) faz parte de outra etapa.
Também não foi possível determinar, por ora, há quanto tempo o óleo foi extraído.
Qual é a origem do derramamento?
A montagem do quebra-cabeças segue um caminho de certo modo invertido, voltando no tempo.
A investigação sobre quando e onde começou o incidente passa principalmente pela combinação de cinco elementos: densidade do óleo, datas de avistamento nas praias, correntes marinhas do oceano Atlântico, direção e intensidade dos ventos e rotas das embarcações.
O cronograma da chegada do petróleo às praias do Nordeste dá pistas importantes sobre o marco zero do vazamento, que pode variar em estimativas de especialistas de 40 a centenas de quilômetros da costa de Pernambuco e da Paraíba. Parte das cidades atingidas continua recebendo o material.
Segundo autoridades envolvidas com a investigação, a mancha avança aproximadamente 10 centímetros por segundo, em média.
Soma-se a isso a densidade da substância encontrada em relação à água do mar e os movimentos naturais do ar e do oceano. Na provável área de início do vazamento, segundo dados de satélite obtidos próximos à data de publicação desta reportagem, os ventos seguem do sudeste para noroeste, como se “saíssem” do meio do Atlântico Sul e “bifurcassem” em direção ao litoral nordestino e aos países do Caribe.
Esse sentido se assemelha ao das correntes marinhas de superfície na área.
Com modelos matemáticos, é possível traçar trajetos prováveis do caminho que o óleo percorreu e estimar uma provável área de origem do vazamento, mas falta o principal: que navios passaram por ali?
“A imagem em tempo real está aí, disponível. É só juntar os pedacinhos, rodar o relógio ao contrário”, explica o oceanógrafo Tarcisio A. Cordeiro, professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e do laboratório de Ecologia e de Sistemas Costeiros.
Há uma série de ferramentas na internet que permitem identificar em tempo real a posição e a rota das embarcações por satélite, além de mapear o histórico do tráfego — serviços semelhantes existem também para aviões.
Segundo o jornal Folha de S.Paulo, as investigações do Cismar (Centro Integrado de Segurança da Marinha) identificaram a presença de 140 navios-tanque durante o mês de agosto na área analisada pelas autoridades, estimada em 36 milhas náuticas quadradas — ou 123 quilômetros quadrados, quase o tamanho da capital potiguar, Natal (167 quilômetros quadrados).
As embarcações que se encaixam no perfil investigado (com transporte de petróleo cru) foram notificadas a prestar esclarecimentos.
Há duas linhas retas de tráfego que quase se cruzam a quase 400 quilômetros da costa: uma que liga o Caribe e o Golfo do México ao sul da África em direção ao Sudeste Asiático e outra que parte do litoral do Sudeste Brasileiro rumo à Europa.
A quantidade de óleo encontrada até agora também dá poucas pistas sobre o que de fato aconteceu ali. Foram coletadas nas praias mais de 130 toneladas de óleo, mas embarcações como o Suez Max, da Transpetro, para transporte de óleo cru podem levar mais de 170 mil toneladas.
Esses cenários levam em conta que o óleo vazou recentemente, mas existe também a possibilidade de o óleo encontrado estar no oceano há meses ou anos, dentro de uma embarcação que naufragou, por exemplo.
O que pode acontecer quando os responsáveis forem identificados?
A doutora em planejamento ambiental pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Cristiane Jaccoud afirmou que uma série de variáveis devem ser analisadas para saber quais mecanismos jurídicos deverão ser acionados, antes de aplicar qualquer tipo de punição.
“Enquanto a gente não consegue identificar a causa desse problema, a gente fica travado. Se foi algo causado por um navio estrangeiro, será aplicada a regra internacional. O responsável pelo navio é responsável pelo dano e deve pagar por ele. Enquanto isso, é necessário destinar todos os esforços e estrutura para a contingência e evitar maiores danos”, afirmou.
Jaccoud diz ainda que o Brasil ainda pode pedir ajuda para a Organização Marítima Internacional, um braço da ONU, para bancar parte dos prejuízos.
“O Brasil pode recorrer ao fundo de direitos difusos para ações civis públicas para indenizações ambientais. Mas a responsabilização vai ficar para um segundo momento. O importante agora é tomar todas as medidas possíveis para evitar mais danos”, afirmou.
Ela acredita que a principal hipótese para a origem do óleo é um descarte irregular e afirma que é a primeira vez que ela vê um vazamento tão grande demorar tanto tempo para identificar o responsável. Descartes irregulares podem ocorrer no caso de avaria no casco das embarcações que possa representar risco de naufrágio.
“Quando é vazamento em plataforma, você identifica rápido. Quando há colisão, ele derrama óleo e naufraga. Acidentes são evidentes. Se fosse isso, a gente já teria identificado. Essa demora nos faz ter uma desconfiança maior sobre um descarte irregular por conta de navios sem rastreadores, que passam sem ser vistos pelos radares”, afirmou.
Ela afirma que não é responsabilidade da Petrobras arcar com os danos, auxiliar na limpeza das praias ou na própria investigação.
“O que ela está fazendo é por fraternidade e apoio. Mesmo sem conhecer a origem e não ser obrigada a isso, a ajuda é um ato de solidariedade”.