Carlos Nina*
A exposição “Jornais Centenários do Brasil e Portugal – um legado cultural” é um fato emblemático por duas razões: as dificuldades impostas aos jornais impressos e a intensa disseminação de notícias falsas na web.
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A mentira não nasceu com a internet. Já tinha deuses, antes, como Loki, na mitologia nórdica, Hemera, na grega, e Dies, seu equivalente romano. O que a internet fez foi viabilizar caminhos para que as chamadas fake news circulassem com maior velocidade, incrementando sua produção. Sofisticando o processo, o que talvez seja pior do que a mentira, “as plataformas digitais e os grupos empresariais tecnológicos têm atuado em prol da informação alternativa, extraindo dados pessoais dos cidadãos, dificultando a compreensão sobre fatos relevantes e inserindo subsídios para convencer usuários acerca de situações inverídicas, despiciendas e prejudiciais”, como afirma, sem rodeios, Paulo Brasil Menezes, magistrado maranhense em seu livro Fake News (Salvador, Editora Jus Podium, 2020).
As dificuldades financeiras impostas à mídia impressa decorrem, em parte, desse fenômeno, pois os anunciantes, que financiam os meios de comunicação, migraram para a web, atraídos pelo discurso – e a prática – da manipulação dos usuários de redes sociais. A pandemia da COVID-19 fez o resto, trazendo o medo de que o contato com o papel seria expor-se a risco de contaminação.
Nesse cenário, a existência de jornais que resistiram a todas essas investidas, por si só já é um grande mérito. A pane recente no WhatsApp, Instagram e Facebook mostrou que a dependência da web tem riscos. Além do que o autoritarismo de algum magistrado pode deliberadamente causar danos a milhões de pessoas com uma canetada para atender um pedido individual.
Essas observações não são um discurso contra a evolução tecnológica. Ao contrário. Que evolua, inclusive com recursos para identificar seu mau uso, seu uso criminoso. Nem é uma contestação à importância da veiculação da informação pela internet. É uma manifestação pessoal pela permanência da mídia impressa, jornais, revistas, livros, pelo valor que têm e o prazer que propiciam. Uma coisa não exclui a outra. As circunstâncias exigem apenas que se aperfeiçoem, adequem-se ao que podem oferecer, de verdade.
É evidente que na internet pode-se encontrar um incalculável volume de informações. Mas acompanhada, sempre, da dúvida sobre a veracidade daquela informação. Da mesma forma, na web toma-se conhecimento de instantâneo de fatos que estão acontecendo. Em acidentes, por exemplo, a primeira preocupação já não é providenciar socorro para os acidentados, mas acionar a câmera do celular para fazer o “furo” da notícia no Instagram ou nos grupos de WhatsApp.
Não é isso a que se presta o jornal impresso, mas informar, correta e responsavelmente, no estrito respeito ao direito de informação consagrado tanto na Constituição brasileira (art. 5º, XIV), como na portuguesa (art. 37º, 1).
Por tudo isso é extremamente relevante a iniciativa da Associação Portuguesa de Imprensa, com a primeira exposição sendo feita na cidade de Aveiro, em Portugal, em 2018, apenas com jornais portugueses. Em 2019, em parceria com a Associação da Imprensa de Pernambuco, em 2019, nela incluiu jornais brasileiros, e, ontem (16 de outubro de 2021), foi aberta no Convento das Mercês, com a presença da Secretária de Estado das Comunidades Portuguesas, a médica Berta Nunes, e do Embaixador de Portugal no Brasil, Luís Faro Ramos.
A exposição em São Luís teve nela inserida o jornal O Imparcial, que atende aos dois requisitos da exposição: é mais que centenário e continua impresso.
O objetivo mais visível, porém, da exposição, é mostrar como a história de Portugal e do Brasil está contida nas páginas desses jornais. Verdadeira viagem, percorrendo, no espaço da Exposição, por centenas de anos da história portuguesa e brasileira.
Poderia ser exposta na internet, debatida em videoconferência, apresentada em lives e tantas outras formas não presenciais, como milhares, senão milhões de eventos estão à disposição dos olhos ávidos nas imagens que os dedos jogam para cima e para baixo nas telas dos celulares.
Ver de perto, porém, caminhando, visualizando, sentindo, pode parecer jurássico, para uns, mas é humano, é perceptível e faz refletir não só sobre os fatos registrados, mas sobre os próprios jornais, que há mais de cem anos, continuam fiéis àqueles que buscam em suas páginas mais que jornais, mas a honestidade e a coragem da notícia verdadeira, a reflexão livre e, por fim, o registro que permite, ao longo do tempo, conhecer a história.
Há de se destacar, ainda, o fato de que se tratam de centenários jornais escritos no idioma português, no qual, pode-se dizer, Camões fez uma das mais belas reportagens, em Os Lusíadas, anunciando que o faria: “Cantando espalharei por toda parte, Se a tanto me ajudar o engenho e arte”.
O famoso bardo lusitano já ali alertava para a fake news:
“Ouvi que não vereis com vãs façanhas,
Fantásticas, fingidas, mentirosas,
Louvar os vossos, como nas entranhas,
Musas, de engrandecer-se desejosas”
Parabéns, portanto, às associações de Imprensa portuguesa e pernambucana, ao Instituto Camões, à Vice-Cônsul de Portugal em Belém, Dra. Maria Fernanda Pinheiro, ao Cônsul Honorário de Portugal no Maranhão, Dr. Abraão Freitas Valinhas Júnior, e ao presidente da Sociedade Humanitária 1º de Dezembro, Dr. José Maria Alves da Silva, pela realização de tão importante evento em São Luís.
Que se desenvolva cada vez mais a tecnologia, que os veículos de comunicação invistam na modernidade, mas que continuem os jornais na versão impressa, também, usando essa tecnologia para apresentar cada vez melhor seus matutinos, vespertinos, hebdomadários, para possamos tê-los em mãos e os ler com a tranquilidade para a qual a invenção de Johannes Gutenberg foi fundamental.
*Advogado e jornalista