TIPO EXPORTAÇÃO – Fundo de Quintal OFC: jovens do Maranhão fazem covers e conquistam Brasil

Instrumentos improvisados feitos de latas de tinta, galhos e materiais de construção compõem o ritmo enquanto a dança frenética, que mistura passinhos de funk com luta livre, ajudam a compor a cena. Tudo isso acontece em um cenário que aparenta ser uma pedreira, ou algum lugar próximo de uma construção. É nesse quadro que Riquelme (14) canta sem microfone os hits musicais mais tocados no Brasil e no mundo, ao lado de seus amigos. Esta seria a forma mais simples de explicar a irreverente e anárquica performance do grupo Fundo de Quintal OFC.

Fundo de Quintal OFC - Divulgação

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Criado em setembro de 2019 por Riquelme, Vitor (18), Denilson (18), Eulisses (11), Jhayme (18), Matusalém (25), João Vitor (18), Simão (24) e Rhuan (17), o grupo se formou por acaso no quintal de Denilson, no povoado de Centro dos Rodrigues (Santo Antonio dos Lopes), no interior do Maranhão. O que era uma brincadeira improvisada com a caixa de som de seu pai — um cantor que se apresenta em bares da região —, hoje é acompanhada por mais de 1 milhão de seguidores no Instagram.

Um feito inédito para o município de menos de 10 mil moradores que, graças ao grupo, recebeu atenção de artistas como Anitta, Dj Henrique de Ferraz, Mc Zaac e diversos outros que frequentemente comentam e compartilham o conteúdo dos meninos. As escolhas das músicas para a gravação dos vídeos vem do gosto dos integrantes e abrange uma variedade de gêneros como forró, funk, sertanejo, pop e até a influência de memes, como a versão de “Ameno” do grupo francês Era.

Quando perguntados sobre os acontecimentos mais marcantes para o grupo, Simão responde: “a gente se emocionou demais no dia que o Whindersson Nunes compartilhou. O Tirulipa, a gente soltou foguete, alguns dos meninos até choraram de alegria”.

O sucesso meteórico no Instagram motivou a criação do canal do YouTube, que, com seis meses no ar, já conta com 1 milhão de inscritos — o número foi anunciado no Instagram do grupo na quarta-feira (22). A plataforma também foi responsável por um dos momentos mais marcantes na história recente do grupo: o recebimento da placa de 100 mil inscritos, presente da empresa para o canal que foi recebido pelos integrantes com um vídeo tão alegre quanto suas demais obras. Em “Chegou nossa placa de 100K – será que quebrou?”, Rhuan, um dos integrantes, vai de moto ao município vizinho retirar a encomenda nos Correios.

O nome Fundo de Quintal foi dado em referência ao próprio cenário no qual o quinteto teve origem, e não em homenagem ao famoso grupo de pagode dos anos 1990. Segundo Simão, as inspirações para gravar os primeiros vídeos vieram da própria vontade dos garotos, e não de nenhuma influência prévia de nada do que tenham visto.

A originalidade do Fundo de Quintal chamou atenção também de produtores e grandes players do YouTube. No dia 13 de julho, o vídeo do grupo interpretando a música “Na Raba Toma Tapão” do MC Poze, o mais visto do canal — com quase 5 milhões de acessos —, foi utilizado no Instagram da produtora Kondzilla para comemorar os 30 milhões de visualizações da versão original. O canal, aliás, é hoje o terceiro maior do mundo no segmento de música na plataforma.

Apesar do grande sucesso na internet, Simão afirma ao TAB que, desde o começo, não houve mudanças na forma de idealizar e produzir os vídeos para as redes sociais. O alcance dos vídeos, entretanto, abriram oportunidades para que o grupo também produzisse outros formatos, como apresentações ao vivo, como o show realizado em fevereiro pela prefeitura de Santo Antônio dos Lopes, também no Maranhão, às vésperas da quarentena.

A possibilidade de realizar performances ao vivo encorajou o grupo a gravar seu primeiro CD. O disco “Banda Fundo de Quintal OFC 2020” conta com dez faixas e está disponível para download no site “Sua Música”, plataforma de streaming que desbanca em número de acessos concorrentes internacionais como Spotify e Deezer na região nordeste.

Durante a quarentena, boa parte do período de existência do grupo, as lives foram uma alternativa para estreitar as relações com o público e, já na primeira, 70 mil pessoas acompanharam ao vivo as peripécias dos maranhenses. Foram poucas lives — que não se realizam com mais frequência por falta de infraestrutura e internet de boa qualidade para a transmissão —, afirmam os integrantes ao TAB.

O roteiro dos vídeos — que à primeira vista pode parecer completamente caótico — na verdade obedece, em boa parte, a uma estrutura narrativa. A paródia de “Saudade Sua”, do cantor Gusttavo Lima, que fala sobre arrependimento, começa com dois dos garotos interpretando um casal em plena cerimônia de casamento e, no momento que chegam ao “altar”, são interrompidos por um terceiro dançarino, fantasiado de padre, que começa a algazarra. A partir disso, os integrantes passam a dançar enquanto a música é cantada.

Não é um caso único, e em diversos vídeos os elementos servem como base para a dança. Em “Milu”, também do cantor Gusttavo Lima, a tentativa de puxar um jumento é a base para que, em uma questão de segundos, a dança aconteça. Em “Taco Taco e Não Pega” inspirada em um meme, uma moto que para de funcionar e é empurrada até derrubar seu piloto é o estopim da improvisação.

Esta estrutura, criada pelos garotos de Centro dos Rodrigues, encontra paralelos também em outros movimentos artísticos de grande importância, como os chamados “happenings” — termo utilizado pela primeira vez em 1959 pelo artista estadunidense Allan Kaprow, e definido pelo compositor John Cage como “eventos teatrais espontâneos e sem trama”. Nesse tipo de obra cênica, incorpora-se algum elemento de espontaneidade ou improvisação, que nunca acontece da mesma maneira a cada nova apresentação. Consideradas performances, os happenings foram muito populares durante a pop art nos Estados Unidos.

O Fundo de Quintal OFC representa uma geração de talentos que encontrou espaço e público graças à popularização da internet no Brasil e, apesar da espontaneidade das paródias e o clima de alegria dos vídeos, comentam sobre as dificuldades e precariedade do acesso à cultura na região. “A vida no interior não é uma vida fácil, aqui não tem nada, não tem acesso a aula de canto, teatro, nem lugar para comprar instrumentos. Vamos batendo nossas coisinhas improvisadas”, diz Simão. (Do Portal UOL)

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